A Jabulani, bola de futebol da Adidas, foi um dos astros da última Copa Mundial de Futebol, realizada no continente Africano. Alvo de críticas e reclamações, ela foi tachada como amaldiçoada e assombrada por causa das suas trajetórias curvas e incertas.
Figura 1
‘Jabulani’ significa ‘celebrar’ em zulu, um dos idiomas oficiais no país anfitrião, a África do Sul. Ela tem 11 cores que representam os idiomas falados no país e os 11 jogadores de uma equipe de futebol.
Basicamente, o que a diferencia das outras bolas convencionais são as ranhuras presentes em sua superfície e a ausência das costuras entre os gomos. Essas simples modificações interferem na aerodinâmica da bola.
Veja alguns comentários sobre a Jabulani:
- 'A nova bola é de fato mais rápida, faz curvas de forma imprevisível e é sentida como sendo mais dura no impacto. Os físicos afirmam que a maior dificuldade em lidar com a Jabulani deverá ser sentida pelos goleiros.'
- 'A bola é muito estranha, de repente sai de você. Acho que ela não gosta que alguém a chute. É mais um adversário. Parece que tem alguém guiando a bola. Você vai cabecear, e ela se mexe. É sobrenatural essa bola.'
Figura 2 - Furo 'típico' de um jogador por causa do movimento incerto da Jabulani.
Na verdade, não há nada de sobrenatural na Jabulani. Seus movimentos são regidos principalmente por dois fenômenos Físicos: a Crise do Arrasto e o Efeito Magnus. Esses fenômenos estão ligados à aerodinâmica da bola de futebol, ou seja, à influência do fluido gasoso (ar) sobre o movimento do corpo sólido (bola) imerso nele.
Crise do Arrasto
O arrasto nada mais é do que a resistência do ar sobre a bola. Existem dois parâmetros importantes ligados a esse fenômeno: o coeficiente de arrasto (Ca) e o número de Reynolds (Re).
- O Ca é um parâmetro ligado intimamente com a força de resistência do ar.
- O número de Re é o parâmetro que identifica o tipo de escoamento de um fluido (no nosso caso, o ar), ou seja, como ele se comporta quando está em movimento em relação ao objeto de estudo (no nosso caso, a bola).
Equação 1
Onde ρ é a densidade do ar (1,224 kg/m³);
D é o diâmetro da bola (~20 cm);
η é a viscosidade do ar (1,83 x 10-5 kg.m-1.s-1);
V é a velocidade da bola.
Números de Re pequenos caracterizam um escoamento laminar, em que as partículas descrevem trajetórias paralelas. Números de Re altos caracterizam um escoamento turbulento, em que as trajetórias são errantes e cuja previsão é impossível. Veja a figura abaixo:
Entretanto, esses parâmetros estão interligados, pois há uma intuitiva correlação entre o tipo de escoamento do fluido gasoso (Re) e a sua resistência (Ca) sobre a bola em análise. Através de um túnel de vento, pôde-se estudar a correlação entre eles, plotando-se o gráfico abaixo (Ca x Re) para o caso de uma bola lisa:
Ao observar este gráfico, nota-se que, com o aumento da turbulência do ar (com o aumento do número de Re), cada vez menor se torna o seu coeficiente de arrasto (Ca) até que, em um determinado ponto do gráfico (número de Re entre 105 e 106), acontece uma diminuição abrupta do Ca. Ou seja, em escoamentos turbulentos, evidencia-se a Crise do Arrasto. Veja a ilustração abaixo:
Figura 5 - Separação da camada limite em uma esfera.
No alto: camada laminar. Embaixo: camada turulenta.
A figura 5 mostra a formação de Camadas Limites do ar em torno da bola, evidenciando que, no escoamento laminar (baixas velocidades de escoamento), surge uma área de baixa pressão na parte traseira da bola. Então uma diferença de pressão age no sentido oposto ao do seu movimento; ou seja, o arrasto passa a ser dominado pela viscosidade. Já, no escoamento turbulento (altas velocidades de escoamento), não há a formação significante de uma área de baixa pressão; consequentemente, o arrasto diminui (Crise do Arrasto).
Substituindo-se o número de Re da Crise de Arrasto (evidenciado no gráfico acima - figura 4) e os valores de ρ, D e η (dados anteriormente) na equação 1 e resolvendo-a para V, obtém-se V ~ 20 m/s. Deste modo, pode-se afirmar que bolas lisas sofrem a crise do arrasto em velocidades de aproximadamente 20 m/s. Tal velocidade é facilmente alcançada em jogos de futebol, onde as bolas chegam a até 35 m/s.
As considerações supracitadas para a Crise do Arrasto se referem a uma bola lisa. Entretanto, a Jabulani tem sua superfície cheia de ranhuras. Qual é então a influência das ranhuras na camada limite dos escoamentos?
As ranhuras ajudam a criar um fluxo turbulento na Jabulani, evitando a separação da camada limite, pois o ar fica mais aderente a sua superfície. Deste modo há uma diminuição da resistência do ar em velocidades mais baixas, o que aconteceria em velocidades mais altas numa bola convencional (mais lisa).
Efeito Magnus
O segundo fenômeno Físico relacionado com a aerodinâmica da bola de futebol é o Efeito Magnus, o famoso 'efeito folha seca' (chute de 'trivela'). Veja a figura abaixo:
Figura 6
A bola da figura 6 gira em torno do seu próprio eixo e se movimenta também em relação ao ar na direção e sentido indicados. A rotação da bola induz forças de atrito diferentes entre os lados diametralmente opostos da bola, o que provoca uma diferença de pressão entre eles. Surge então uma ''força'' (força de Magnus) que impulsiona a bola para uma trajetória diferente da original.
O que surpreende os goleiros são as curvas bruscas. No ato do chute, a bola sai com uma velocidade que vai diminuindo até o momento em que a força de Magnus se apresenta dominante em relação a do arrasto, e a bola muda de direção abruptamente.
Conclusão
Então, pode-se concluir que a trajetória incerta da Jabulani não é o resultado de maldições e/ou afins. Na verdade, ela é um fenômeno Físico resultante da soma de dois outros: a rápida e precipitada Crise do Arrasto e o Efeito Magnus acentuado. Ambos fortemente influenciados pela sua superfície particularmente rugosa.
Beijos e bons estudos!!!